Internet virou “campo minado” para crianças e jovens, diz especialista
As recentes mudanças nas políticas de moderação de conteúdo das plataformas digitais, como o Instagram e o Facebook, feitas pela Meta, têm gerado preocupações sobre o impacto da internet na vida de crianças e adolescentes. Para Pedro Hartung, pesquisador e diretor de Políticas e Direitos das Crianças do Instituto Alana, essas alterações aumentam as vulnerabilidades sociais dos pequenos, especialmente daqueles já em situação de risco. Segundo ele, a falta de uma moderação eficaz nas redes sociais transforma a internet em um "campo minado" para os jovens, potencializando desigualdades e exposições a perigos.
Em entrevista à Agência Brasil, Hartung destacou que as crianças e adolescentes, já vulneráveis no ambiente offline, encontram na internet um espaço ainda mais perigoso. "A internet aumenta as vulnerabilidades que já existem no ambiente offline", afirmou, alertando para os riscos que se intensificam com a redução das normas de moderação nas plataformas. O pesquisador ressaltou que, além de refletir as violências sociais existentes, a internet tem o potencial de ampliá-las, especialmente para grupos como crianças negras, periféricas e meninas, que são mais suscetíveis a abusos digitais, como cyberbullying, exposição não autorizada e até violência sexual.
O impacto da falta de moderação nas redes
O principal risco identificado por Hartung é o crescimento das exposições de conteúdos prejudiciais nas plataformas, como imagens de violência infantil, discursos de ódio, e a falta de controle sobre o tratamento cruel e degradante de crianças e adolescentes no ambiente digital. Ele afirmou que as mudanças implementadas pela Meta e outras empresas refletem uma visão equivocada sobre a internet, que não deveria ser um espaço sem regras, mas sim um ambiente protegido pela legislação, em especial para os menores de idade.
“Quando as plataformas não têm moderação ativa, elas abrem portas para a propagação de conteúdos prejudiciais e ilegais, o que coloca as crianças e adolescentes em situação de risco", explicou Hartung. Para ele, essas falhas não são apenas uma questão de opiniões ou discurso, mas envolvem crimes graves que podem prejudicar a saúde mental e física dos jovens.
"Colonialismo digital" e o desafio das empresas
A falta de uma postura ativa das plataformas em debates públicos também foi um ponto abordado por Hartung. Ele lamentou a ausência das empresas em uma audiência pública promovida pela Advocacia-Geral da União (AGU), onde pesquisadores e representantes da sociedade civil discutiram formas de fortalecer a proteção digital para crianças e adolescentes. Segundo Hartung, a postura das empresas em não se envolver no debate reforça o que ele chamou de “colonialismo digital”, uma prática que ignora as legislações locais em favor de uma abordagem global que não leva em consideração as particularidades de cada país.
Hartung também destacou que a internet, como a conhecemos hoje, não foi projetada com a segurança dos menores em mente. Ele alertou para o fato de que a arquitetura digital foi criada com o objetivo de viciar e engajar os usuários, o que, no caso das crianças e adolescentes, pode resultar em exploração comercial e riscos à saúde mental.
O papel do Estado e a urgência de ações concretas
Com a iminente celebração dos 35 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 2025, Hartung reforçou a necessidade de uma atuação mais efetiva do Estado na regulamentação e fiscalização das plataformas digitais. "O ECA já estabelece claramente os direitos das crianças e adolescentes e quem deve garantir esses direitos", destacou. Para ele, é fundamental que o Estado atue de maneira mais rígida, fiscalizando as empresas e impondo penalidades quando necessário.
Ele também defendeu a criação de uma política de educação digital, que inclua a capacitação de crianças, pais e escolas para um uso mais seguro da internet. Além disso, Hartung chamou a atenção para a necessidade de uma governança internacional da internet, com o apoio de Estados e organizações internacionais para garantir a proteção digital, especialmente em relação às grandes corporações de tecnologia.
Vulnerabilidades específicas de crianças e adolescentes
A internet, de acordo com Hartung, impacta todos os jovens, mas as crianças e adolescentes que já enfrentam desigualdades sociais — como as que pertencem a comunidades periféricas, grupos raciais marginalizados ou meninas — estão ainda mais expostas aos riscos digitais. A violência social, como o racismo, o machismo e a violência sexual, se reflete e é amplificada no ambiente digital, aumentando o sofrimento de crianças e adolescentes vulneráveis.
"Essas violências não apenas se reproduzem, mas se intensificam online, expondo as crianças a ameaças ainda maiores", afirmou Hartung. Para ele, é fundamental que as políticas públicas e as plataformas digitais reconheçam a interseccionalidade das vulnerabilidades e desenvolvam ações mais eficazes para proteger esses grupos.
O caminho para uma internet mais segura
O pesquisador concluiu que, para enfrentar esses desafios, é necessário um esforço coletivo que envolva a sociedade, o Estado e as empresas. "Famílias e escolas precisam se unir para educar as crianças e adolescentes sobre os riscos da internet, mas isso não deve ser uma responsabilidade única das famílias. O Estado e as empresas devem assumir sua parte", disse Hartung, reforçando que é fundamental que as plataformas digitais cumpram as leis já existentes e participem ativamente dos debates sobre a segurança online.
Em um cenário onde as crianças estão mais expostas a uma internet desregulada e cheia de perigos, a atuação do Estado, a conscientização da sociedade e a responsabilidade das empresas se tornam essenciais para garantir a proteção dos direitos das crianças e adolescentes no mundo digital.